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    O pidão se dá bem, mas o puxa-saco tem problemas de networking


    Rosana Hermann é uma jornalista, roteirista, palestrante e escritora brilhante e muito conhecida, com trabalhos para a TV Globo e outras emissoras. Ele fez um post no seu X (ex-Twitter) com bastante repercussão, que reflete uma opinião comum sobre vários temas relacionados a networking. Acho esse assunto fascinante e resolvi comentar. Vamos ao post:

    O pidão se dá bem, mas o puxa-saco tem problemas de networking

    Rosana não gosta de “gente pidona”, e esse tema está relacionado com negociação. Tem muitas situações nas quais a gente não consegue enxergar que existe espaço para negociação. Ou a gente acha que o resultado já está definido, nada vai mudá-lo, ou então o ganho previsto não vale o esforço de negociar. Toda a literatura sobre o tema garante que quem vê oportunidades de negociação em um número maior de situações acaba se dando melhor – ponto para a galera pidona.

    Além disso, me parece que a expressão “gente pidona” tem a ver não só com quem tenta transformar tudo em negociação, mas também quem “pede” muito numa situação de negociação. Os estudos mostram que quem pede mais, recebe mais. Usando um termo técnico, dentro de uma negociação as duas partes têm suas “aspirações” – quanto eu quero gerar de valor naquele negócio para mim. E quanto mais altas as aspirações de uma determinada parte, melhor o resultado para aquela parte.

    Resumindo, quem não identifica que naquela situação existe espaço para negociação não vai ganhar nada – depende da vontade da outra parte. E quem seta suas aspirações para baixo tem piores resultados do que quem senta na mesa querendo ganhar muito.  

    Então o aluno pidão recebeu uma prova corrigida e não gostou da nota. Ele poderia ir pra casa e estudar mais, mas como ele é pidão ele vai falar com a professora – está abrindo uma negociação. Se a professora concordar em discutir a avaliação, o pidão pode questionar um item grande, que mudaria significativamente a nota, ou um ponto pequeno, que faria pouca diferença. Segundo um número gigantesco de pesquisas, questionar o item grande vai dar melhor resultado em termos de aumentar a avaliação do aluno. Ou seja, Rosana tem razão: o mundo é dos pidões.

    Então quais seriam as razões para não identificar uma situação de negociação, ou então, uma vez sentado na mesa, pedir pouco? Em primeiro lugar, como já vimos, você pode achar que não vale o esforço e (talvez) o desgaste de tentar abrir uma negociação porque o resultado vai ser zero, ou muito pequeno. Um amigo tinha duas filhas estudando num colégio caríssimo, e estava indo matricular a terceira. Pediu uma reunião com a direção e mandou: “Olha, eu amo essa escola, eu e meus dois irmãos estudamos aqui, minhas duas filhas mais velhas estudam aqui e estão muito felizes, agora quero colocar a menor, mas preciso de um desconto, é possível?”. Resposta: “Não”. O coitado achou que tinha espaço para negociar alguma coisa numa escola de elite de São Paulo kkk. É o medo dessa frustração que faz com que a gente deixe várias oportunidades de negociação passar.   

    Outro tema é quando temos medo de que abrir uma negociação possa nos trazer alguma consequência negativa. No clube que eu frequentava havia um senhor que ficava nas imediações da piscina com um frasco de protetor solar nas mãos. Quando vinha vindo uma moça ajeitada ele pedia: “Você pode passar nas minhas costas, por favor?” As mulheres davam a volta na piscina só para não encontrar com o folclórico “véio do bronzeador”. Uma hora ele desapareceu, não sei se de causas naturais ou se o clube tomou alguma providência depois de muitas reclamações das sócias.  Esse senhor sem dúvida não tinha medo das consequências da sua atitude pidona e de vez em quando conseguia o que queria.

    Tem gente que não se sente bem na posição de abrir uma negociação. Pode ser porque entende que toda negociação é um conflito, uma interação agressiva, onde um lado necessariamente perde para o outro ganhar. Ou então porque acha que as pessoas que negociam são vistas como gananciosas, exigentes ou simplesmente desagradáveis (o véio do bronzeador…). Quem gosta de negociar não pensa assim – negociação é uma situação lotada de aprendizado, onde a gente conhece melhor o universo da outra parte, treina como encontrar soluções para problemas complexos e desenvolve nossa capacidade de persuasão.

    Além disso a negociação pode resultar em ganhos reais para as duas partes, não só aprendizado. O exemplo clássico é o das irmãs que precisavam dividir uma laranja. Elas fizeram o que todos os irmãos fazem – uma divide a laranja no meio e a outra escolhe a metade que prefere. Mas se elas tivessem negociado elas iam descobrir que uma queria fazer um suco e a outra queria a casca para fazer uma cobertura de bolo – as duas sairiam com 100% do que queriam em vez da metade.

    Uma técnica defendida pelos pesquisadores para superar essa aversão a negociar (e a pedir), é colocar em destaque não o nosso interesse, mas o interesse de outros. É exatamente o que defende essa outra comentadora:

    O pidão se dá bem, mas o puxa-saco tem problemas de networking

    Quando tem que pedir alguma coisa que vai ser em benefício dos pets a Maria Isabel não tem problema de fazer um teatro e se derreter em lágrimas. Essa técnica é frequentemente sugerida para quem tem bloqueio em pedir aumento no trabalho: pense no benefício que esse dinheiro extra vai trazer para a sua família. Não se trata de ganância, se trata de ser um pai ou uma mãe melhor.

    Rosana não gostou da sugestão de que ela deveria entender melhor o porquê de ela não gostar de negociar, e trouxe um estudo de caso hipotético para ilustrar.

    O pidão se dá bem, mas o puxa-saco tem problemas de networking

    Nesse caso hipotético, enquanto Rav não via na interação com o júri uma oportunidade de negociar, Rosana viu. Conseguiu influenciar um jurado e acabou ganhando o prêmio. Me parece que aqui o tema já é diferente. Não é tanto sobre negociar em si, mas sobre a pertinência – legal ou ética – de abrir a negociação. Na feira de ciências do colégio todos os grupos faziam questão de ter pelo menos uma pessoa falante, desinibida e simpática porque saber apresentar bem valia muito, talvez tanto quanto ter feito um excelente projeto. Já num tribunal você ir bater um papinho com o juiz para ele aliviar o seu lado não só é antiético como é ilegal.

    Esse concurso hipotético prevê que os participantes interajam com os jurados e defendam o trabalho que estão apresentando? Se faz parte do processo essa interação, Rosana está correta – e se Rav não gosta dessa mecânica da premiação não deveria participar da premiação. Se essa interação não está prevista, erraram Rosana, que foi procurar o jurado, e o jurado que permitiu a abordagem. Rav poderia denunciar o caso à direção do evento.

    Outro comentário traz ainda outro tema:

    De fato, numa situação de negociação, se uma das pessoas está numa posição de poder, isso influencia demais. O guarda te para na rua, te manda colocar as mãos atrás da cabeça e separar as pernas pra dar uma geral – você entra numa negociação? Hummmm, melhor não. Aliás essa poderia ser a definição de uma relação abusiva – quando a penalidade por dizer não é alta e vítima se sente obrigada a obedecer contra a sua vontade original.

    Mas tem também outro tema nessa conversa, que foi colocado lá no post original:

    Aqui minha reação é bem diferente. O pidão se dá bem mesmo. Agora, puxa-saquismo como forma de relacionamento – aí já não acredito. Várias razões.

    Puxar o saco é coisa de curto prazo. Primeiro porque é falso – uma intimidade falsificada, uma identidade de valores e objetivos falsificada, uma admiração falsificada. E a gente tem dificuldade de sustentar relacionamentos falsos por muito tempo. “Ficou puxando saco por anos até conseguir o que queria” – tenho dúvidas dessa frase. Minha tendência é achar que depois de algum tempo a intimidade, a identidade e a admiração viraram reais.

    Em segundo lugar, o puxa-saco tem em vista um objetivo super bem definido, e quando atinge o objetivo ele passa a ter outro objetivo, que depende de outra pessoa de quem ele vai puxar o saco. É impossível que a primeira pessoa não se sinta usada. Na medida que o tempo passa o puxa-saco vai deixando atrás de si uma lista de gente descontente, uma hora ele (ou ela) vai precisar dessa galera aí, e as portas estão fechadas.

    Além disso o puxa-saco não tem nenhuma visão de equipe, seu projeto é absolutamente pessoal. Vai ver que é por isso que o puxa-saquismo é uma prática mal falada. Todo mundo está vendo aquela pessoa criando uma situação falsa para alcançar algum benefício para ela mesma, enquanto o resto da galera ema ema ema. Também é comum que o puxa-saco seja do tipo que os americanos chamam de “kissing up, kicking down”: ou seja, puxa o saco de quem está em cima, mas trata a pontapés quem está embaixo.

    Me diga, como essa pessoa pode ter uma rede de relacionamentos profissionais que ajudem a chegar aonde ela quer chegar? Os colegas a desprezam, os subordinados a odeiam e os seus alvos – uma vez que o objetivo tenha sido conseguido e o puxa-saco mudado de foco – amargam a raiva de terem sido usados. O puxa-saco tem um tremendo problema de networking.

    Para finalizar, vamos jogar uma luz em cada um dos assuntos sob a perspectiva do outro.

    Do ponto de vista de negociação – como eu tiro o máximo de valor para mim de uma certa interação – o pidão se dá muito bem, como vimos. Já o puxa-saco só se dá bem numa situação bem específica, quando não existem colegas olhando e quando aquela interação é única e relativamente rápida.

    Um exemplo claro é o caixeiro-viajante, que trabalha sem equipe e nunca mais vai voltar naquela praça – a adulação, a atitude submissa, o interesse fajuto pela vida do outro nesse caso podem funcionar para ele fazer uma venda. Já quando estamos falando de um mercado, um segmento onde a reputação é muito valorizada, o puxa-saco tem vida curta.

    Já olhando do ponto de vista do networking – como desenvolver relações que ajudem a gente a chegar aonde a gente quer chegar – o pidão corre um certo risco, é verdade. Quem transforma todas as interações em negociação, e pede muito quando está na mesa, vez por outra pode passar uma imagem de ganancioso, insaciável ou megalomaníaco. Mas também vai ser visto como arrojado, esperto e atrair as pessoas pelo seu sucesso. O puxa-saco, esse só se dá mal.

    Mesmo que no curto prazo ele feche uma venda, consiga uma promoção, ou seja lá o que ele busca, na prática ele tem que viver que nem um caixeiro viajante, trocando de mercado, de especialidade, de área e até de cidade porque ele se queima por onde passa.

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